Fronteiras porosas, criação expandida

Minha pesquisa pictórica se sustenta em três pilares: a cor como dupla identidade cultural, os recipientes que mostram o savoir-faire ritualístico e ancestral e a representação simbólica das cadeiras. É uma triangulação que há anos se desdobra, se revela na minha pintura e ainda não se esgotou. Esse ano, eu tive a oportunidade de apresentar meu trabalho em cinco exposições na França e no Brasil: do Marais parisiense a um rooftop paulistano, passando por um delicioso restaurante carioca que, na verdade, só reforçam a minha crença de que arte, design e arquitetura não são territórios rivais, mas sistemas culturais e criativos que conversam e se entrelaçam constantemente.

Ou seja, as fronteiras entre essas disciplinas são muito mais porosas do que a gente imagina. A cadeira, especialmente, é o elo entre elas e uma pura rebeldia classificatória: precisa sustentar o corpo (função), emocionar o olhar (arte) e organizar o espaço (arquitetura). Ela é o objeto que transita livremente e símbolo maior do meu vocabulário visual.

Em Yube Txamina, no espaço Wilde no Marais dentro da programação do Ano do Brasil na França, meu díptico “Cúrcuma. Urucum. Jenipapo” dialogou com as pinturas do coletivo Mahku, Movimento dos Artistas Huni Kuin, junto com obras de fotógrafos e designers de mobiliário. Ali, minhas cores fabricadas com os pigmentos artesanais conversaram com a ancestralidade e sabedoria do povo indígena que foi destaque na Bienal de Veneza de 2024.

Tudo que Cabe num Instante no Ateliê Casa Um me colocou num papel duplo: artista e curadora. Escrever o texto curatorial foi como mapear minha própria pesquisa vista de fora. Ali entendi que meus recipientes não são apenas objetos pictóricos são receptáculos de temporalidade, guardam instantes que insistem em durar.

O ateliê, novo espaço da artista Viviana Ximenes em São Paulo, que tem a flexibilidade e proposta de funcionar como espaço expositivo, faz o trabalho circular quase como um manifesto. Quando um grupo de artistas se une em torno de um mesmo propósito de diálogo, de não depender de espaços tradicionais de exposição e se aproximar do seu colecionador e espectador sem intermediários, o resultado é uma mostra super diversa e potente. Ainda em São Paulo, Recorte do Instante no Esther Rooftop deu continuidade à proposta iniciada no Ateliê Casa Um. Outro espaço não tradicional aberto a exposições de arte.

Desde a sua abertura o restaurante Brota, um dos melhores vegetarianos do Brasil das minhas amigas Roberta Ciasca e Renata Gebara, tem um projeto de arte chamado Tudo que Brota Arte que convida artistas a ocupar as paredes de uma charmosa casa em Botafogo onde ele funciona há quase 3 anos. Foi com a maior alegria que eu recebi o convite para expor lá. Uma oportunidade única reunir amigos em torno de excelente gastronomia e poder mostrar minha arte.

A última exposição foi na Embaixada Brasileira em Paris, também para o Ano do Brasil na França. Héritage Culturel et Savoir-faire, me fez pensar no meu trabalho como um exercício de tradução cultural e interdisciplinaridade. Além do mais, aceitei o desafio de retirar a cadeira da pintura e apresentar a minha primeira escultura na obra Chaise Miroir, uma mini-instalação. A transição do plano pictórico ao objeto tangível sugere um jogo de reflexo e presença, pois o que antes era apenas imagem agora se torna objeto. A cadeira é aqui uma ponte entre memória e matéria, pensamento e toque. Com a união de linguagens da pintura e da escultura, o trabalho propõe uma experiência expandida do olhar para habitar o intervalo entre figura e forma numa mini cenografia contemporânea.

Volto sempre à cadeira porque ela é, além do meu objeto de predileção, uma excelente metáfora para navegar nos nossos tempos. Vivemos uma época de fronteiras borradas (e uma liberdade cada vez mais fragilizada,) mas onde um designer pode ser artista, onde um artista pensa como arquiteto, onde a funcionalidade pode ser poética. A cadeira mostra que não precisamos escolher lados; podemos habitar o meio, esse entre, um lugar fértil onde as disciplinas se encontram e se expandem. Existe uma riqueza imensa nessa contaminação mútua, nessa recusa de se deixar catalogar.

Esse triângulo conceitual de cor, recipientes e cadeiras funciona justamente porque cada elemento conversa com os outros sem hierarquia. A cor não é mais importante que o recipiente, que não é mais nobre que a cadeira.

O ano de 2025 reforçou que minha prática artística não é sobre objetos isolados, mas sobre relações. Relações entre disciplinas, entre espaços, entre arte e vida cotidiana. E que talvez seja isso que a criação contemporânea faz de melhor: nos lembra que as divisões são sempre menores que as conexões.

Portanto, cada exposição foi uma espécie de laboratório de relações. E que não existe só um ingrediente na criação, mas sim uma bela mistura de saberes, uma conversa constante entre campos que se alimentam mutuamente. Continuo aqui, entre cores que respiram, recipientes que guardam sentimentos, e cadeiras que insistem em ser pontes. Continuo aqui mexendo nesse caldeirão de ideias e descobrindo o que minha pesquisa ainda tem para me ensinar.

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Eu e a mini instalação Chaise Miroir na Embaixada do Brasil em Paris

O díptico Cúrcuma. Urucum. Jenipapo, no espaço Wilde no Marais

Com a pintura Drapeau no Ateliê Casa Um, em São Paulo

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