Como criei um ensaio fotográfico em Paris sem sair de casa (e quase ninguém percebeu)

Essa semana eu causei um alvoroço na minha bolha do Instagram. Postei uma sequência de stories de um ensaio fotográfico "meu" em Paris: eu na beira do Sena com um caderninho desenhando, eu na frente da pirâmide do Louvre, eu num café típico da Rive Gauche, a Torre Eiffel emoldurando minha silhueta ao fundo. O povo pirou. Mensagens chegando, gente elogiando meu fotógrafo, querendo saber os bastidores, perguntando sobre o look.

Aí que mora a grande questão: nenhuma dessas fotos existe no mundo real. Todas, absolutamente todas, foram criadas por uma IA que eu treinei com fotos reais minhas.

O mais perturbador? Eu reconheço cada lugar, cada peça de roupa, cada expressão. Moro em Paris há alguns anos e aqueles cenários fazem parte do meu cotidiano. O trenchcoat que eu "usei" na foto do Louvre? Tenho um igualzinho no armário. O café onde eu aparecia tomando um expresso? Típico de Paris. A pose na beira do Sena? Como eu sou artista, ando com três cadernos dentro da bolsa pra desenhar ou anotar ideias. A IA criou uma versão de mim super possível e muito próxima da minha realidade. Que doideira.

O workflow que mudou minha percepção de realidade

Chegar até aqui exigiu um certo treinamento, claro. Primeiro, alimentei a IA com dezenas de fotos minhas – selfies, retratos, fotos de corpo inteiro, expressões diferentes, ângulos diversos. Depois veio a parte mais legal: criar os comandos pra criação dos cenários, poses, luz através de algumas palavras. Até na criação dos prompts contei com ajuda de uma IA. Assim, a “máquina” traduzia minha intimidade com a cidade em imagens onde eu estava lá, vivendo momentos que pareciam absolutamente plausíveis. O resultado? Fotos tão convincentes que até eu, por alguns segundos, precisei lembrar que nunca tinha posado para elas.

Ser ou não ser: a questão da autenticidade revisitada

Aqui mora uma questão que me fascina: eu me reconheço quase que completamente nessas imagens. Walter Benjamin, em "A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica", já nos alertava sobre como a reprodução técnica transformaria nossa relação com a autenticidade. Ele falava da "aura" – essa presença única e irrepetível de uma obra de arte, ligada à sua história particular e à sua existência física.

O que acontece quando uma IA cria imagens minhas que nunca existiram, mas que carregam toda a minha "aura"? Essas fotos têm minha postura, minha forma de relacionar o corpo com o espaço, minhas expressões... Essa simulação conseguiu capturar algo da minha essência visual que transcende a mera aparência física. Isso me deixa com um friozinho na barriga que oscila entre o maravilhamento e a perplexidade existencial. Se uma IA consegue me "fotografar" de forma tão convincente, o que isso revela sobre os limites entre identidade e representação?

A profissão de fotógrafo vai se transformar, não morrer

Desde que comecei a experimentar com IA, essa reflexão me acompanha. Quais profissões vão sumir ou se transformar? Será que em alguns anos ninguém mais vai precisar de fotógrafos? A fotografia sempre foi muito mais do que apertar um botão. Envolve direção, narrativa, esse momento mágico de conexão entre fotógrafo e fotografado. A IA pode ser uma ferramenta extraordinária – e é! – mas ela não substitui o olhar humano, a sensibilidade, a capacidade de capturar aquilo que não se vê, mas se sente. A profissão vai se reinventar, como sempre fizemos. Lembram quando a fotografia digital supostamente "matou" a analógica? O CD “matou” o vinil e a fita cassete? Ou quando o celular substituiu as câmeras digitais? Estamos aqui, mais relevantes do que nunca, expandindo nosso repertório técnico, cultural e conceitual.

Verdade que tem dias que acordo com a cabeça explodindo. A velocidade com que essas tecnologias evoluem é surreal. Pareço uma criança fascinada com uma descoberta, tentando aprender uma coisa nova, sempre tentando entender as regras de um jogo que muda a cada minuto. Mas rola um certo FOMO que eu acalmo com meditação e leitura. Saio das telas pros livros, me interiorizo diariamente. Vale lembrar que toda revolução tecnológica gera esse mesmo desconforto. Imagina as gerações anteriores quando a televisão chegou, a internet explodiu? Imagina o sentimento de maravilhamento misturado com medo. A diferença é que agora tudo acontece mais rápido, mais intensamente.

E talvez esse seja exatamente o ponto: não se trata de correr atrás, mas de encontrar nosso próprio ritmo nessa dança com a tecnologia. Não como substituição, mas como parceria criativa.

Essa experiência me fez pensar pois não se limita à fotografia em si, mas questiona como nos relacionamos com nossa própria imagem, com nossa identidade, com a ideia de "real" num mundo onde a linha entre ficção e realidade está cada vez mais tênue.

E o mais instigante: ainda nem terminei de explorar as possibilidades. Estou no começo dessa “brincadeira”, e já sinto que estou descobrindo uma nova linguagem. Uma linguagem que mistura técnica e sonho, realidade e imaginação, presente e futuro. O que me move agora é a curiosidade de descobrir onde essa tecnologia pode nos levar como criadores de imagens, como contadores de histórias, como exploradores dos limites entre o possível e o impossível.

Quer entrar nessa aventura comigo?

Se você chegou até aqui e está com aquele friozinho na barriga de "quero aprender isso", me manda um e-mail! Estou pensando em montar uma masterclass completa sobre como criar ensaios fotográficos com IA revelando todo meu workflow, desde o treinamento até os segredos dos prompts. Porque no final das contas, não se trata de substituir a fotografia tradicional. Se trata de expandir nosso repertório, de ter mais ferramentas para contar as histórias que a gente quer contar. E às vezes, essas histórias precisam de um pouquinho de magia digital para ganhar vida.

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