Hockney, Velázquez e as lições de um menino curioso

Hoje é um dia muito especial pois o meu filho Victor faz quinze anos e me veio uma lembrança tão forte da gente na retrospectiva de Velázquez no Grand Palais que tive que parar tudo e escrever. Ele devia ter uns cinco anos e era uma coisa muito engraçada e fofa de se ver: percorria a exposição na velocidade da luz, parava na frente de cada retrato e soltava as perguntas mais diretas do mundo. "Quem é esse moço?" "Mas por que ele tá vestido assim?" Como se fosse a coisa mais natural do mundo querer conhecer pessoalmente cada um daqueles personagens da corte espanhola. Eu tentava explicar quem eram os reis, as infantas, os bufões, mas o que mais me chamava atenção era como ele olhava. Sem cerimônia, sem peso histórico, só com aquela curiosidade pura de quem vê um rosto e quer entender a pessoa por trás. Velázquez ficaria babando, tenho certeza.

Fiquei imaginando... ele pequenininho e curioso na exposição do David Hockney na Fundação Louis Vuitton, que também traz muitos retratos... Será que ele ainda faria as mesmas perguntas? Provavelmente não, mas sei que sua curiosidade continua intacta.

Eu tenho um afeto especial por Hockney por causa do famoso "A Bigger Splash" - um quadro tão solar, com aquele formato quadrado inspirado nas fotos Polaroid. E tem a cadeirinha pequena ali, que sugere a presença simbólica do personagem antes de pular do trampolim em primeiro plano na piscina azul que atravessa o quadro. O mergulho que provoca o "splash" da pintura, aquele instante congelado como na fotografia.

E foi na exposição da Fundação Louis Vuitton que me dei conta de algo que eu já sabia mas mesmo assim me deixou ainda mais fascinada: as cadeiras de Hockney. Elas estão por toda parte na obra dele! Servem de suporte para seus retratos íntimos, decoram paisagens, assumem formas e estilos diferentes conforme o período. Tem cadeiras solitárias, cadeiras acolhedoras, cadeiras que são quase personagens.

Fiquei ali parada, no meio da exposição, tendo uma pequena epifania: eu poderia escrever um ensaio inteiro sobre as cadeiras na obra de Hockney. Porque no fundo, não é apenas sobre cadeiras, né? É sobre presença e ausência, sobre os lugares que ocupamos e os lugares que deixamos vazios. É sobre como um objeto tão simples pode carregar tanto peso simbólico.

Sem contar o enorme volume de sua obra, os diversos materiais e suportes que ele usa sem a menor dificuldade ou cerimônia, que passa da aquarela à tinta acrílica e o IPad. Saí da exposição com uma vontade enorme de pintar, desenhar e escrever...  poderia fazer um ensaio lindo sobre a cadeira na obra de David Hockney!

E aí me veio a conexão: meu filho pequeno correndo pela exposição de Velázquez, fazendo perguntas sobre os retratados, e eu descobrindo fascinada as cadeiras de Hockney. Ambos tentando entender como a arte fala sobre as pessoas, como ela captura não apenas a aparência, mas a essência de quem somos.

Quinze anos, Victor. Quinze anos de descobertas, de perguntas, de olhares curiosos pelo mundo. Que você continue sempre se perguntando "quem é esse moço?" - seja diante de um Velázquez, de um Hockney, ou da vida que está se abrindo diante de você como um splash infinito de possibilidades.

Parabéns, meu filho. Obrigada por me ensinar que a melhor forma de ver arte é com o coração aberto e a curiosidade de criança.

P.S.: Acho que vou mesmo escrever aquele ensaio sobre as cadeiras de Hockney. Quem sabe não vira um livro? Ou pelo menos um texto legal para dividir com vocês aqui no blog.

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