Lavinia Fontana e Lavinia Schulz: duas artistas que a História quase esqueceu

Legendas:

  1. Lavinia Fontana. “Autorretrato”, 1614

  2. Lavinia Fontana. “Retrato de Tognina Gonsalvus”, 1588

  3. Lavinia Fontana. “Retrato de Bianca degli Utili Maselli”, 1614

Hoje eu resolvi falar das minhas xarás artistas, a pintora maneirista Lavinia Fontana (1552-1614) e a dançarina, atriz e figurinista Lavinia Schulz (1896-1924), que eu descobri na Bienal de Veneza de 2022. Além do nome, as Lavinias compartilham também um certo pioneirismo. Cada uma, à sua maneira, balançou as estruturas e os padrões de comportamento de suas épocas e contribuiu para transformar o papel da mulher na História da Arte.

Li pela primeira vez sobre Lavinia Fontana num livro/guia delicioso da autora Camille Jouneaux que se chama “Leonardo, Frida e os outros – Oito séculos de pintura contados em 100 artistas”. Jouneaux começa sua biografia assim: Lavinia Fontana, chefe de ateliê e de família, foi uma das primeiras pintoras que a História da Arte QUIS se lembrar... Em outra matéria, que eu achei no site da Radio France, o título é simplesmente esse “Lavinia Fontana, a pintora do século XVI cujo MARIDO foi seu assistente”. Imaginem agora o que isso pode ter significado na época. Nascida numa família de artistas na cosmopolita Bologna, com sua elite erudita e humanista, foi formada no ateliê do seu pai Prospero. Protegido do papa Júlio III, colaborou na realização dos afrescos do Palazzo Vecchio em Florença com Giorgio Vasari (olha ele aí). Reconhecida pelos seus retratos, Lavinia transitava por vários gêneros de pintura, da histórica à religiosa e ainda ousava em nus femininos. Foi a primeira pintora na Europa que teve sucesso de crítica e comercial e não deixava nada a desejar a seus pares masculinos. Sua renda permitiu que ela se casasse sem dote e ainda teve onze filhos com seu marido, o pintor Zappi. Foi a primeira mulher a integrar a Academia de Belas Artes de Roma, cidade onde viveu até a sua morte.

Sobre Lavinia Schulz, que eu vi na exposição cápsula da Bienal “A Sedução do Ciborgue”, o texto de apresentação, que eu tomei a liberdade de traduzir uns pedaços, é o que melhor exprime sua contribuição para a Arte. Durante a era de Weimar na Alemanha, Lavinia Schulz inventou um novo tipo de dança. Considerada uma forma de expressão acessível às mulheres, a dança se tornou rapidamente um dos componentes do repertório da vida moderna. Junto com seu marido e parceiro artístico o dançarino Walter Holdt, realizou espetáculos de dança expressionista, que evoluíram para um estilo próprio, no período entre as duas guerras, de 1919 a 1924 em Hamburgo. Seu estilo se baseava em intensidades variadas de movimentos como "rastejar, agachar-se, abaixar-se, ajoelhar-se, andar a passos largos, respirar e saltar em padrão de espiral diagonal". Schulz e Holdt, que viviam na miséria absoluta e às turras, criaram uma série de fantasias de materiais recuperados no lixo que transformavam dançarinos em obras de arte híbridas. Ao contrário dos figurinos feitos na Bauhaus por Oskar Schlemmer e Xanti Schawinsky, os de Schulz e Holdt foram caracterizados por formas desenhadas a partir da natureza e do mundo animal. Nos anos 80, o Museu de Artes e Ofícios de Hamburgo redescobriu esses trajes, assim como uma série de fotografias de estúdio tiradas por Minya Diez-Dührkoop. Mas, o final dessa colaboração artística é trágico: ela assassina Holdt e se suicida depois.

Tenho quase certeza de que você nunca tinha ouvido falar sobre elas e, para ser bem sincera, faz muito pouco tempo que eu as descobri. Fiquei aqui pensando que ainda hoje é complicado as mulheres se colocarem à mesma altura ou acima dos homens, não é? E pra finalizar queria te apresentar a Lavinia Góes, pintora do século XXI, que está construindo seu lugar no mundo, em pé de igualdade com os homens e sem guerra com ninguém.

Legendas:

  1. Lavinia Schulz. “Máscara Integral”, figurino de 1919-1924

  2. Lavinia Schulz. “Máscara Integral”, figurino de 1919-1924

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