Cem anos depois, o Art Déco ainda nos seduz
28 de abril de 1925. Paris inaugura a Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes. Uma data que mudaria para sempre a forma como o mundo olha para design, arquitetura e artes decorativas. Entre a esplanada dos Invalides e os arredores do Grand e Petit Palais, surge uma verdadeira cidade efêmera de 23 hectares. Pavilhões temporários de cerca de vinte nações competem para mostrar suas criações mais ousadas. Mais de 16 milhões de pessoas visitam a exposição ao longo de sete meses. É o triunfo de um estilo que ainda nem tinha nome próprio.
Aquele momento refletia a urgência de um mundo que acabara de sair da Primeira Guerra Mundial. Os années folles chegavam com a necessidade de acreditar no futuro, de celebrar a vida, de ser moderno a qualquer custo. E foi ali, no verão parisiense de 1925, que nasceu o que décadas depois, em 1966, seria oficialmente batizado como Art Déco.
O modernismo elegante ganha forma
Mas o que exatamente caracteriza o Art Déco? Imagine um movimento que bebe de tudo: das formas geométricas do cubismo, da descoberta recente da tumba de Tutancâmon em 1922 (que causou furor mundial), das civilizações pré-colombianas, das artes da Ásia, da própria industrialização que transformava o mundo. O construtivismo russo também deixou sua marca, com suas formas angulares, sua celebração da máquina, seu espírito revolucionário. Tudo isso se misturou no caldeirão parisiense. É uma sopa cultural riquíssima que resulta em algo absolutamente novo.
Porque o Art Déco é, antes de tudo, a celebração do progresso. É a era das ondas de rádio atravessando o Atlântico, do cinema conquistando o mundo, dos automóveis, dos aviões, dos transatlânticos. É velocidade, é futuro, é modernidade pura. E isso aparece em tudo: nos cartazes gráficos com suas tipografias geométricas e composições dinâmicas, na fotografia que começa a explorar ângulos ousados e contrastes dramáticos, no cinema que encontra no Art Déco sua linguagem visual perfeita.
As características são inconfundíveis. Linhas retas e formas geométricas precisas. Volumes escalonados que sobem verticalmente, como se quisessem tocar o céu. Simetria compositiva. A predominância dos cheios sobre os vazios, com grandes blocos de concreto alongados. Materiais preciosos como ébano, marfim (outras épocas, outras consciências), laca, lado a lado com materiais industriais modernos como cromado, aço inoxidável, vidro.
Metropolis, o filme de Fritz Lang de 1927, é talvez o exemplo mais perfeito dessa sintonia. Aquela cidade futurista toda em verticais, a robô Maria com seu corpo geometrizado e metálico, a fotografia expressionista de Karl Freund. É Art Déco puro traduzido em movimento. Cada frame poderia ser um cartaz, cada cenário é um manifesto do estilo. Ver Metropolis é entender visualmente o que o Art Déco queria ser: o futuro encarnado.
O Art Déco é sofisticado e funcional ao mesmo tempo. Luxuoso e geométrico. Artesanal e industrial. É essa contradição fecunda que o torna tão fascinante. Ele dialoga com a tradição do savoir-faire francês enquanto abraça a modernidade das máquinas. E não ficou confinado à arquitetura. Ele se espalhou por absolutamente tudo: design gráfico, mobiliário, joalheria, moda, cerâmica, vitrais, escultura, pintura. É um estilo total, que queria redesenhar o mundo inteiro. Dos prédios aos cinzeiros, das pontes às pulseiras, tudo podia ser Art Déco.
E tem mais: o Art Déco criou uma figura profissional que me fascina profundamente, o ensemblier. Não é decorador, não é só designer, não é só arquiteto. É aquele profissional que orquestra tudo, do chão ao teto, que junta artesãos de diferentes ofícios, fornecedores, savoir-faire diversos para criar um ambiente completo, coerente, onde cada detalhe conversa com o outro. Jacques-Émile Ruhlmann era o exemplo perfeito: ele não desenhava apenas um móvel, criava a sala inteira. A arquitetura, o mobiliário, os acessórios, as cores, as texturas. Tudo precisava fazer sentido junto.
E esse conceito ressurgiu de forma linda numa exposição que vi no mês passado, infelizmente já encerrada, no Mobilier National, na Manufacture des Gobelins: Les Nouveaux Ensembliers. De 14 de outubro a 2 de novembro, dez arquitetos-decoradores contemporâneos (nove franceses e um brasileiro, para celebrar o Ano do Brasil na França) reimaginaram espaços diplomáticos sob o tema "L'Ambassade de demain", a Embaixada de amanhã.
Quando o Art Nouveau encontrou o Art Déco (ou melhor, quando um cedeu lugar ao outro)
Uma confusão frequente: afinal, qual a diferença entre Art Nouveau e Art Déco? Embora ambos sejam filhos da industrialização e ambos tenham quase desaparecido com guerras mundiais, são movimentos opostos em espírito e forma.
O Art Nouveau (1890-1914) veio primeiro. Nasceu como reação à Revolução Industrial e ao academicismo do século XIX. É orgânico, fluido, inspirado na natureza. Pensa em curvas sinuosas, linhas em forma de flores, heras, insetos, dragões. É assimétrico, cheio de movimento, quase sensual. Os materiais eram ferro (imitando galhos de árvores), vidro, cerâmica. Victor Horta na Bélgica, Hector Guimard em Paris com as entradas do metrô, Gaudí em Barcelona, Alphonse Mucha com seus cartazes de mulheres de cabelos longos e ornamentos florais. Era tudo sobre artesanato, sobre a mão humana, sobre romper a distinção entre arte e decoração.
Já o Art Déco (1920-1939) veio depois da Primeira Guerra, numa era de otimismo e prosperidade. É geométrico, angular, simétrico. Celebra a máquina, o progresso, o luxo confiante. Cores ousadas, formas perfeitas, círculos e ângulos. É minimalista (pelo menos comparado ao Nouveau), elegante, industrial. Materiais como cromado, vidro espelhado, madeiras exóticas, pedras preciosas. É o estilo dos arranha-céus de Nova York, do jazz, do Great Gatsby, do Orient Express.
Se o Art Nouveau era uma mulher com longos cabelos esvoaçantes entre flores silvestres, uma coisa meio ingênua e hippie, o Art Déco era um homem chiquetérrimo de cabelo engomado, de smoking num salão de baile, bebendo champagne e fumando sob lustres geométricos. Um celebrava o orgânico, o outro o construído. Um olhava para a natureza, o outro para o futuro urbano.
O segredo do 16ème
O curioso sobre o Art Déco é que ele nasceu em Paris mas conquistou o planeta de maneiras absolutamente únicas em cada lugar. E aqui mesmo, na cidade que o inventou, existe um tesouro escondido que muita gente não conhece: o quarteirão Guimard, no 16ème arrondissement.
Hector Guimard é mais famoso pelas entradas de metrô em estilo Art Nouveau, aquelas formas orgânicas e sinuosas que são o cartão postal de Paris. Mas entre 1926 e 1928, já com o Art Nouveau em declínio, ele projetou um conjunto excepcional na rue Greuze e rue Agar: três imóveis residenciais que são uma transição fascinante entre os dois movimentos. Ali você vê Guimard dialogando com a geometrização crescente do Art Déco enquanto mantém algo da sensibilidade orgânica que o tornou famoso. Como se o arquiteto estivesse fazendo as pazes com uma nova era sem renegar completamente sua identidade.
O caso de Boulogne-Billancourt
E aqui uma história que me toca pessoalmente: morei durante 12 anos em Boulogne-Billancourt, nos arredores de Paris, bem pertinho do 16º arrondissement. E essa cidade é um laboratório vivo do Art Déco e da arquitetura dos anos 1930. Nos anos 1920 e 1930, Boulogne se tornou um ímã para os grandes arquitetos da época. Le Corbusier, Mallet-Stevens, Auguste Perret, todos construíram ali. O prefeito visionário André Morizet incentivou a experimentação arquitetônica oferecendo terrenos baratos.
O resultado? Uma cidade-museu onde você encontra desde as residências-ateliês de Le Corbusier para os escultores Jacques Lipchitz e Oscar Miestchaninoff, com suas formas de transatlântico (o famoso Streamline Moderne), até a prefeitura de Tony Garnier, uma obra-prima absoluta do Art Déco que vale a visita sozinho. Boulogne tem circuitos arquitetônicos com placas explicativas, audioguias, até apps para celular. É um tesouro escondido bem ao lado de Paris.
E tem mais: foi em Boulogne-Billancourt que o escultor Paul Landowski mantinha seu ateliê. Landowski, franco-polonês, é o criador do Cristo Redentor do Rio de Janeiro. A estátua, construída entre 1922 e 1931, foi esculpida por ele (cabeça e mãos) em seu ateliê em Boulogne, antes de ser enviada para o Brasil e montada no topo do Corcovado pelo engenheiro brasileiro Heitor da Silva Costa e pelo engenheiro francês Albert Caquot. Com 30 metros de altura (sem contar o pedestal de 8 metros) e braços de 28 metros de envergadura, é a maior escultura Art Déco do mundo. Um símbolo do cristianismo, do próprio Rio e do Brasil!
Nova York faz e seus arranha-céus
Foi Nova York que transformou o Art Déco em símbolo máximo de modernidade. O Chrysler Building, inaugurado em 1930, é talvez o exemplo mais perfeito do estilo. Aquela agulha de aço inoxidável com padrão de raios de sol, as gárgulas em forma de águias que parecem capôs de automóveis, o lobby com murais geométricos. Foi por onze meses o prédio mais alto do mundo, até o Empire State Building roubar o título em 1931. Mas o Chrysler mantém até hoje seu charme incomparável.
Nova York virou, de fato, uma das capitais mundiais do Art Déco. É engraçado isso, não é? O movimento que nasceu aqui, que celebrava o gosto francês e a sofisticação parisiense, encontrou sua expressão mais monumental do outro lado do Atlântico. Talvez porque lá o espírito de progresso, ambição e verticalidade se casava perfeitamente com as formas ascendentes do estilo.
E o Brasil? Também aderiu!
Mas não precisa ir tão longe. O Brasil, e especialmente o Rio de Janeiro, abraçou o Art Déco de um jeito único, misturando as referências europeias com elementos da nossa cultura. O Instituto Art Déco Brasil estima que existam cerca de 400 imóveis desse estilo no perímetro urbano carioca. Imagina? É um acervo impressionante.
O movimento chegou ao Rio pelo mar, através dos transatlânticos vindos da Europa, especialmente da França, entre as décadas de 1920 e 1950. Esses navios eram verdadeiras exposições flutuantes de arte decorativa. Havia até "passes de visitação" que permitiam conhecer os interiores luxuosos, comer nos restaurantes, fazer compras nas lojas de bordo. O Normandie, que atracou no píer da Praça Mauá para o carnaval de 1938 e 1939, era especialmente famoso.
E assim o Art Déco se espalhou pela cidade. O primeiro arranha-céu do Rio, o Edifício A Noite (1929), com seus 22 andares na Praça Mauá, projetado pelos arquitetos Joseph Gire e Elisário Bahiana entre 1927-1929, é Art Déco. O Teatro Carlos Gomes (1932), o cinema Roxy (1938), a Estação Central do Brasil (1943), todos carregam essa marca. Mas é em Copacabana que a concentração se torna ainda mais impressionante. Ruas como a Ministro Viveiros de Castro e a região do Lido são um verdadeiro museu a céu aberto.
E tem um que me emociona especialmente: o Edifício Ypiranga, na Avenida Atlântica, 3940, em Copacabana. Projetado por Mario Freire em 1935, é um exemplo lindo da vertente Streamline do Art Déco, aquela que buscava dar ideia de velocidade, movimento, aerodinamismo. A fachada parece ondas, as varandas saltam no espaço. Foi carinhosamente apelidado de "Mae West" por causa das curvas que lembram a atriz americana. E o que torna esse prédio ainda mais especial? Foi ali, na cobertura, que Oscar Niemeyer manteve seu escritório por décadas. Uma sala de 200 metros quadrados com vista para o mar de Copacabana, onde ele desenhou boa parte de suas obras geniais.
Cem anos depois, Paris celebra
E agora, em 2025, exatos cem anos depois daquela exposição inicial, o Musée des Arts Décoratifs celebra o centenário com uma exposição ambiciosa: 1925-2025. Cent ans d'Art Déco. A curadora Anne Monier Vanryb criou um percurso que se espalha por dois andares do museu e termina na majestosa Nef.
Confesso que quando fui, estava lotado. O percurso às vezes me pareceu meio apertado, nem sempre fluindo da forma ideal. Mesmo assim, vale a pena a visita. A exposição é didática no melhor sentido: ela te guia pelos objetos, pelos móveis suntuosos (fiquei doooooooida com uma penteadeira aqui), pelas joias Cartier (mais de 80 peças, algumas inéditas!), pelos tecidos, pela moda. Você vê o famoso chiffonnier (um tipo de móvel alto e estreito, com várias gavetas sobrepostas) em galuchat (revestimento luxuoso feito de pele de arraia ou tubarão) de André Groult e as criações refinadas de Jacques-Émile Ruhlmann.
O Orient Express: entre passado e futuro
E aqui chegamos na parte da exposição do MAD que me deixou dividida. Na Nef, a grande surpresa: maquetes em tamanho real do futuro Orient Express, que será lançado em 2027, ao lado de uma cabine original de 1926. O diretor artístico Maxime d'Angeac reimaginou os interiores usando 17 vagões originais dos anos 1920 e 1930 que foram encontrados (pasmem!) na fronteira entre Polônia e Belarússia, rastreados usando Google Maps e imagens de satélite 3D.
O trabalho é impressionante. Trinta mestres artesãos, de marceneiros a vidreiros da Lalique, de estofadores da Atelier Jouffre à Manufatura de Tapeçarias da Borgonha, trabalharam na restauração e recriação. Os moodboards expostos são lindíssimos. Madeira de mogno, veludo, seda, mármore, tudo dialogando com tecnologia do século XXI e princípios de sustentabilidade.
Mas eu fiquei me perguntando: isso cabe aqui? Obviamente, o Orient Express é um símbolo do Art Déco, teve seu auge nos anos 1920, foi decorado por René Prou e René Lalique. Mas será que dar tanta importância no espaço de maior destaque no museu a um projeto desse não quebra um pouco o ritmo do percurso histórico? Ou será que é exatamente isso que precisamos ver, que o Art Déco não é um estilo morto, mas algo vivo que continua inspirando?
Confesso que ainda oscilo entre achar que é uma adição comercial meio forçada e pensar que é justamente essa conexão entre passado e futuro que dá sentido à comemoração. Talvez as duas coisas sejam verdade ao mesmo tempo. A exposição 1925-2025 fica em cartaz até 26 de abril de 2026. Vale a visita, mesmo com a multidão, mesmo com o percurso às vezes apertado. Porque é raro ter a chance de ver tanta beleza reunida, de entender como um movimento nasceu e por que ele ainda nos fala, cem anos depois.
1925-2025. Cent ans d'Art Déco
Musée des Arts Décoratifs
107 rue de Rivoli, 75001 Paris
Métro: Palais Royal, Pyramides ou Tuileries
De 22 de outubro de 2025 a 26 de abril de 2026
Terça a domingo, das 11h às 18h
(quinta-feira até 21h)
Fechado às segundas-feiras
Ingressos: 15 euros (inteira) | 12 euros (reduzida)
Gratuito para menores de 26 anos