Giulio Carlo Argan e a construção do olhar moderno
Reencontrar um livro depois de tantos anos é como abrir uma janela para uma parte antiga de quem a gente foi. Meu livro Arte Moderna, de Giulio Carlo Argan, publicado pela Companhia das Letras, passou 16 anos esquecido/guardado num depósito no Rio de Janeiro. Quando finalmente a peguei de volta nas mãos, percebi que não era só um volume qualquer. Estava envelhecido, com as páginas amareladas, repleto de anotações e marcas do tempo. Era, claramente, um livro vivido. Era meu livro. Aquele que me acompanhou na faculdade, que foi sublinhado com entusiasmo e serviu de apoio em tantas noites de estudo. Era um pedaço da minha formação, reencontrado com a emoção de quem descobre uma relíquia pessoal.
Usei muito esse livro na graduação em Artes Plásticas, quando ainda tentava entender as relações entrte teoria e o fazer da arte. Argan nunca facilitou o caminho: sua escrita é exigente, às vezes árida, mas tem um rigor que ensina a pensar. Sem firulas. Ele conduz o leitor por um percurso onde a arte moderna se constrói diante dos olhos, a partir de rupturas e invenções, mas também de tensões políticas, transformações técnicas e disputas de linguagem.
Argan foi além de um grande historiador da arte, prefeito de Roma, pensador do espaço urbano, figura política e mestre na articulação entre estética e sociedade. Seu olhar sobre a modernidade vai muito além dos clichês das vanguardas: ele revela a estrutura da arte como um sistema em constante fricção com seu tempo.
A abrangência do livro impressiona. Vai de Giotto a Calder, passando por Cézanne, Picasso, Gropius, Mondrian, entre muitos outros. Lembro da minha fascinação ao ler os trechos sobre a Bauhaus e as relações entre arte, arquitetura e design. Aquilo fez sentido de um jeito especial, porque tocava áreas diferentes da minha prática, todas conectadas por esse pensamento orgânico que Argan nos oferece.
Reabrir esse livro agora, tanto tempo depois, foi como folhear um diário antigo — mas escrito por outra pessoa, que nos conhece profundamente. Argan me mostrou, de novo, como um autor pode moldar silenciosamente nossa maneira de ver, pensar e criar, mesmo quando estamos longe de seus textos.
Se esse livro cruzar o seu caminho, não deixe passar. A edição da Companhia das Letras, riquíssima em imagens, é uma joia editorial. Argan não é um autor que se lê para "entender tudo" de uma vez. Ele é daqueles que a gente lê para nunca mais olhar do mesmo jeito.
E isso, por si só, já vale o reencontro.
Meu livro tesouro reencontrado após 16 anos dentro de um depósito