Por que ainda acredito que as mãos podem salvar o mundo

Acabou de se encerrar, no Grand Palais, a sétima edição da Révélations – essa bienal que me deixa com uma sensação meio estranha toda vez que penso nela. Mexe comigo de um jeito completamente diferente das bienais de arte contemporânea. Não é o mesmo tipo de inquietação intelectual ou aquela sensação de estar decifrando códigos conceituais. A Révélations me toca num lugar mais antigo, mais visceral.

Talvez porque ela não seja exatamente sobre arte contemporânea no sentido que conhecemos. É sobre métiers d'art – esses ofícios que carregam gerações inteiras de conhecimento nas pontas dos dedos, que conseguem transformar matéria bruta em poesia através de gestos que nossos ancestrais reconheceriam imediatamente.

O que me fascina é constatar que ainda existem 550 criadores espalhados por 35 países que despertam todos os dias e escolhem fazer coisas com as próprias mãos. Não romantizo a questão – entendo que muitos integram tecnologia contemporânea, inovam constantemente, experimentam linguagens híbridas. Mas existe algo na essência do que fazem que permanece profundamente humano: o savoir-faire.

Essa expressão francesa que empregamos quase automaticamente carrega uma densidade notável. Não se trata apenas de "saber como fazer". É saber fazer com aquela sabedoria que emerge do corpo, da repetição consciente, do erro como aprendizado, da conquista gradual, da paciência com o tempo. É o momento em que a técnica se transmuta em intuição e a intuição alcança o território do inexplicável.

Existem dias em que observo o mundo à minha volta e fico meio pirada com a velocidade de tudo. Vivemos numa época em que qualquer objeto pode ser produzido em série, impresso digitalmente, gerado por algoritmos. E me pergunto: ainda faz sentido alguém investir meses na criação de uma peça única, empregando técnicas que atravessaram séculos?

A resposta que encontrei na Révélations – entre aquelas 3000 peças expostas – foi um "sim" categórico. Não por ser superior ou inferior a outras formas de criar, mas por representar algo fundamentalmente distinto. É sobre temporalidade. É sobre presença integral. É sobre um tipo de conhecimento que só se manifesta quando você dedica anos da sua existência para compreender verdadeiramente um material, uma ferramenta, um processo.

Cada objeto ali, mesmo que não seja do nosso gosto, funcionava como um manifesto silencioso: "Ainda estamos aqui. Ainda acreditamos que vale a pena fazer com precisão, fazer com alma." É um território onde um jovem ceramista dialoga de igual para igual com um mestre vidreiro, onde técnicas milenares encontram experimentações ousadas sem pressa, sem ansiedade.

E o que considero mais revelador – perdoem o trocadilho inevitável – é que todos esses criadores estão ali não para revolucionar o sistema da arte, mas para dar continuidade àquilo que seus predecessores sempre fizeram: transformar matéria em beleza, função em poesia, técnica em emoção pura.

A Révélations terminou no Grand Palais, mas deixou uma reflexão que continua ecoando. Numa época em que a velocidade se tornou sinônimo de eficiência e o imediato parece mais valioso que o duradouro, eventos como este nos lembram de algo fundamental: existe uma forma de resistência que não grita, não protesta, não se impõe. Simplesmente persiste.

É a resistência de quem escolhe a lentidão como método, a precisão como filosofia, a tradição como ponte para o futuro. Não se trata de nostalgias reacionárias ou saudosismos vazios, mas de uma afirmação contemporânea de que o humano ainda tem algo único a oferecer ao mundo.

Porque, no final das contas, continuo acreditando – talvez utopicamente, mas com convicção crescente – que as mãos podem nos salvar. Pelo menos podem nos salvar da pressa que nos devora, da superficialidade, do descartável.

Imagens da Bienal Révélations de 2025

Anterior
Anterior

O Olhar Treinado e as Conexões (Im)possíveis: quando Warhol encontra Marimekko

Próximo
Próximo

Giulio Carlo Argan e a construção do olhar moderno