Alice Neel e seu olhar engajado no Pompidou
Dia desses me dei conta que ia acabar e fui correndo visitar a exposição “Alice Neel – um olhar engajado” no Centre Pompidou. Eu confesso que fiquei bastante impactada com essa retrospectiva. Foram apresentados cerca de 75 pinturas e desenhos, divididos em duas partes e destacando seus temas de predileção: as lutas de classes e de gênero. Ícone do feminismo militante, Alice Neel (1900-1984) passou a maior parte da sua vida e carreira em Nova York. Conhecida por seus retratos realistas e coloridos - que eu ouso dizer me fazerem lembrar da obra de Egon Schiele (1), Van Gogh ou os fauves, como Matisse e Kokoschka (2) pintou mulheres nuas distantes do cânone tradicional moldado pelo olhar masculino e patriarcal, quer dizer sem qualquer sentimentalismo, com uma humanidade e honestidade impressionantes. Amoako Boafo (3), o artista africano super darling do mercado da moda e de arte atualmente, também bebeu visivelmente nessa fonte. Até coloquei uma obra dele aqui para vocês perceberem as semelhanças.
Mulher livre e independente, Alice Neel atravessou com sua pintura figurativa os períodos de abstração triunfante, arte pop, arte minimalista e conceitual. Ela retratava os seus modelos - amigos próximos, vizinhos, jovens e crianças - como seres humanos complexos, mostrando suas fraquezas e vulnerabilidades, o que lhe permitia capturar nuances de expressão e personalidade com uma rara sensibilidade. Na exposição, muitas das obras traziam uma pequena história contada pela própria artista sobre o personagem retratado. Aliás, cada história, uma mais forte, triste ou chocante que a outra, revelavam um posicionamento muito claro de seus valores. No de Andy Warhol (4) com suas cicatrizes, por exemplo, ela conta que ele usava um colete ortopédico porque seus músculos foram seccionados para retirar as balas do seu corpo quando ele sofreu um atentado. E em Nairobi não a deixaram mostrar essa imagem num programa de TV, que diziam ser de um ser metade homem, metade mulher porque ia assustar as crianças!
Ela também pintou muitos autorretratos, o que lhe permitiu explorar suas próprias emoções e experiências dolorosas, como a perda de filhos e relacionamentos abusivos. Hoje sua vasta obra faz parta de coleções como o Whitney e o MoMa de Nova York. O que eu posso perceber é que há uma mudança acontecendo no espaço da arte. Quase exclusivamente masculino, ele vem sendo ocupado cada vez mais por mulheres e minorias. Ainda bem.
Legendas das imagens:
(1) Egon Schiele, 1912. Autorretrato
(2) Oskar Kokoschka, 1937. Autorretrado como “artista degenerado”
(3) Amoako Boafo, 2020. Autorretrato
(4) Alice Neel, 1970. Andy Warhol
(5) Alice Neel, 1982. Annie Sprinkle
(6) Alice Neel, 1965. James Hunter Black Draftee